sábado, 28 de novembro de 2009

Biografia do meu pai e algumas de suas poesias

Essa biografia foi feita pelo Miro Antunes, um amigo do meu pai, e publicada originalmente no seu blog: "Picles cultural". Algumas dessas poesias eu nem conhecia. Agradeço ao Miro pelo carinho e empenho em preservar esses textos.
ELOY CORRÊA DE OLIVEIRA NETO (CAPIBA)
Conheci Eloy em 1967, graças a meu amigo Juracy Silveira. Eloy fazia parte de um grupo que se encontrava no atelier do Jura, e que funcionava como ponto de encontro da turma. Além de Juracy, Eloy, faziam parte do grupo Maurice Legeard, Vasco Oscar Nunes, João Carlos Batista, Reginaldo Cavalcanti, Floreal, Zoé, e eventualmente apareciam Beatriz Rota-Rossi, Luiz Hammen, Luis Garcia Jorge.
Eloy gostava de poesia concreta, Drummond, Augusto dos Anjos e foi ele quem me “apresentou” a esses gênios. Sob essas influências e sua visão crítica e imediata das coisas, produzia seus belos trabalhos.
Eloy se ligava em certos detalhes, como a palavra “irreversível”, muito usada pelos militares em relação à “redentora”, e tinha a intenção de produzir um texto usando esses termos criados pelos “revolucionários” de 1964. Ganhou o apelido de Capiba – que assinava KPiba (O “PI” era aquele símbolo matemático), por causa do rio Capiberibe e de outro Capiba, também pernambucano – e de Garibaldi, por chamar assim a várias pessoas, principalmente a mim.
Pretendia reunir em livro seus trabalhos, usando o pseudônimo de “ECON” – suas iniciais – mas dificuldades impediram que o realizasse.
Íamos sempre ao cinema, principalmente às sessões de meia noite no cine Roxy, programadas por Maurice, que coordenava o Clube de Cinema de Santos, e ouvíamos música, líamos muita poesia, era uma época, apesar do golpe recente, de muita criatividade, discussão política, com toda a repressão, censura e alcagüetes que se multiplicavam como ratos, principalmente na refinaria de Cubatão, onde trabalhávamos. Minhas filhas, pequenas, o adoravam, chamava Geórgia, a mais nova, de “ Bábi” e, em vez de beijá-las, dava um cheiro em seus cabelos, o que divertia Roberta, a mais velha.
Eloy era íntegro, muito franco e explosivo. Tinha respostas sempre prontas, espirituosas. Eu também freqüentava sua casa e fiquei muito amigo da família, o Pastor Eclésio, da Igreja Batista, a mãe, dona Isabel, os irmãos Iracema, Lutero, Marcos e Nina, a caçula. O pastor gostava das piadas que eu contava, ria muito, era muito culto, era poeta e pintor, reproduzia fielmente os engenhos de açúcar de Pernambuco, de onde vieram. Preparava um livro, “Nordeste, a Terra e o Homem” ilustrado por ele. Eloy herdou dele certa habilidade para o desenho. Um dos poemas que conheci do pastor se chamava “A Língua”, e gostei tanto, que nunca mais esqueci. Uma gente simples, amiga, verdadeira, com quem me identifiquei muito. Eloy deixou o evangelho e entrou para o Partido Comunista, uma guinada de 180º com todas as implicações que aquilo significava naqueles férteis anos 60. Mas não se afastou da família, amava-os com muita dedicação e era seu esteio, pois tinha um bom emprego. Quase todos tinham certa deficiência auditiva, Eloy ouvia mal de um dos ouvidos e lembro que quando tomávamos condução ele sentava com o ouvido bom a meu lado, para me ouvir melhor. Achava que uma revolução brasileira começaria pelo nordeste. Alguns acidentes seguidos na refinaria fizeram com que deixasse a Petrobrás. Casou-se com Ana Lúcia, que morava em Santo André, e foi morar naquela cidade. A distância, o trabalho, fez com que nos víssemos pouco. Ele veio a Santos para uma das homenagens a Maurice Legeard, morto em 1997. Trouxe aos amigos uma coleção que deu o título “Pensando Pensamentos”, em maio de 1998, com textos de Walt Whitman, Roger Garaudy(vários), Aragon, Manuel Bandeira, Mahabharata e até Jesus Cristo. Depois contraiu diabetes, nos últimos anos teve isquemia cerebral, sofreu cirurgia cardíaca e faleceu em 12 de abril de 2008, três dias depois que fui operado do coração.
Os trabalhos que se seguem ficaram numa pasta que deixou comigo, e é para que se tenha uma idéia de sua forma de ver o mundo, as pessoas, as contradições. Eu teria mais histórias, muitas engraçadas, para contar de Eloy, mas ficarão para mais tarde. Em meus registros contei cerca de 110 idas ao cinema, fora peças de teatro, como “Hair”, a apresentação de Paulinho da Viola no cine Caiçara e outros espetáculos.

Argemiro Antunes - MIRO
UM RAPAZ DE FUTURO – 1968

Não era em vão
De d. Flora
A preocupação.
Noite a dentro
Fazia o amor
Para do ventre
Brotar uma flor

Como mulher que se preza
Empolgada com a missão
A náusea suportou
Agüentou a gestação
Hoje Mater Et Magista
Por amor a João

Veio o dia
D. Flora floresceu.
Mariquinha já cresceu;
Sua eterna esperança
Sua própria extensão

Nas pegadas da menina
O gaiato apareceu;
Logo veio a indagação:

“É rapaz de futuro,
Dá duro o vilão?”

Amante, sonhadora
Mariquinha logo acode:
“Não, Não dá o duro
Trabalha com parafina
Tem as mãos finas
Mas é rapaz de futuro

Nasceu nos anos cincoenta
Os anos setenta alcançou
É rapaz de futuro
Amanhã será um doutor.

Gerismundo é seu nome
O futuro já o cercou
Tem uma ninhada de filhos
Asma brônquica e ANADOR
Tem “bicos de papagaio”
“papagaios” a pagar
E pra não sair da rotina
Parafina a fabricar...
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MARIA - 1967

(Eloy disse que se inspirou enquanto
Esperava o ônibus da Petrobrás e passou
Outro ônibus, escrito ALBA S.A., que
Também é um nome de mulher)

MARIA DE JESUS
MARIA DAS GRAÇAS
MARIA DOS PRAZERES
MARIA JOSÉ
DE JOSÉ
DE ANTÔNIO
MARIA DAS MERCEDES
DOS MERCEDES
MERCEDES BENZ
CHEVROLET
FORD
MARIA DA GLÓRIA
MARIA DAS DORES
MARIA DO SOCORRO
MARIA DE SÁ
MARIA SÁ
MARIA S.A.
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ALGUÉM


ELA ALGUÉM, A QUEM

SE AMA

ELA ALGUÉM, A QUEM

SE QUER

EU ALGUÉM,


AQUÉM...


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A PEDRA DE CADA DIA



Eloy quer casar...
Fulana quer casar...
Mas as pedras não se transformam em pão.
Nem de pedra vive o homem.

VAI NAMORAR


Vai namorar...
Não é nada de mais...
Também nada de muito... dizem
Muitos que em amor...
Afogaram as almas em POÇOS DE CALDAS, em Minas Ge-
rando amor...
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AMOROSOS


Amorosos vão amar...
que amar -
gar...
amar -
gurar...
Vão amorosos amar...
Neste amor que se tem
Com prece... com tudo...
contudo
amortece...
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TRISTEZA DO MONO-AMAR



Por que amei,
e o mono amei...
neste amar, enamorar e mono-amar?...
Por que amei e não poligamei?
Por que vivi...
Vivi o mono, o monótono...
Tristeza do mono-amar?
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MINHA ROSA


Passou.
O tempo passou...
era rosa,
flor-rosa...
formosa.
Veio o asco...
E a rosa já não é rosa,
é asquerosa.
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FETO


Feto a feto:
afeto.

Feto co fetos...

fetos infe tos.
c

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MENINA BOBA


Que menina boba...
menina pedante!
Anda de ônibus, salta de
ônibus...
oni –
potente quer ser...
salta,
não me olha,
não me vê...
vai menina

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MURMÚRIO


Como olhar o mar, salgado mar... mar-
tírio...
Como olhar o mar e os mar –
tires...
mortos no mar...

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DESPERTA



Desperta!
Estás no crime, no mundo...
estás junto adjunto...
Desperta adjunto, caro ad...
ardes junto no Hades...

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NAMOREI


Namorava (Eu),
Era ela Maria.

Namorava (Eu),
Era ela Tereza.

Namorava (Eu),
Era ela fulana...

Namorei...
sou Elo y...

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OS VELHOS


Olhem os velhos!
Olhem os velhos!
Como olham
os tempos,
os templos...
olhem os velhos...
olham a hora, a hora... e
aorta à hora em que entor-
ta.

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O CUSPO



O cuspo

O cupido

O cuspo

O cupido

cuspo
cupido



cuspido


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AMOROSOS


Amorosos vão amar...
que amargar...
amargurar!

Vão amorosos amar...
neste amor que se
tem com prece...
com tudo
amortece
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V E R A L I C E




V

V E

V E R

VER ALI

VERALICE

VER A VELHICE

VERALICE

VER ALI

V E R

V E

V










Todos os poemas deveriam pertencer a um
trabalho, com o título de “HUMANADOS’,
e o pseudônimo de ECON, iniciais de “Eloy
Corrêa de Oliveira Neto (8.7.1944-12.4.2008)
Veio para Santos em 23.6.1960.
Os poemas foram escritos em 1967/1968.




A LÍNGUA

Eclésio Corrêa de Oliveira (4.7.1914-12.8.1978)

Certo viajor, em longa caminhada
Atravessava uma região serrana
Como quem busca o ideal sem gana
Indiferente ao rumo da jornada

No desagravo desta vida insana
Desprezando o ardor da sorte herdada
Encontra, com surpresa, junto à estrada
Um arcabouço de ossada humana

Abandonado, envolto num mistério
Despreza a paz feliz do cemitério
Num ar sombrio de quem morreu à míngua

E o viajor, sem lhe saber o nome
Interpelou: Quem te matou? A fome?
E uma voz sumida respondeu: A língua

domingo, 8 de novembro de 2009

Hai Kai em Dois Tempos

Passado aflora
na mente, mas do presente
Já se ignora

Passa tempo e hora
com estória da memória
mas e o agora?