quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Recados a Mário Neto (nº 10)

Em quem você vai votar, Mário Neto? Você está preparado? Assistiu aos debates, entrou nos sites que fazem ranking dos políticos, compartilhou postagens relevantes nas mídias sociais e viu a biografia dos candidatos? Já escolheu os que lhe pareceram melhores dentre as opções apresentadas? Conversou sobre isso com os colegas de trabalho e familiares? Você acredita que por meio do seu voto dará sua importante contribuição para a sociedade? Acredita que esse é o seu instrumento de luta, a sua voz como cidadão? Você acredita na democracia, Mário Neto? Acredita na liberdade?

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Recados a Mário Neto (nº 9)

O que lhe deixa irritado nos transportes coletivos são as pessoas que não respeitam os assentos preferenciais. Homens e mulheres que poderiam perfeitamente viajar em pé, mas que se sentam nesses lugares reservados, e muitas vezes não cedem o espaço para os passageiros que de fato têm direito, fazendo-se de distraídos ou fingindo dormir. Isso lhe irrita e você então olha feio e faz comentários em voz alta sobre a falta de educação do brasileiro. Sua posição é tão radical que você se recusa a sentar nesses assentos mesmo quando não há nenhum passageiro preferencial a bordo, para não haver margem para lhe julgarem um aproveitador. Se for o caso você viaja em pé, porque graças a Deus tem saúde. Você só se senta nos bancos sem restrição, assim pode viajar tranquilo e dormir com a consciência limpa, pois se por acaso acontecer de um velho ou aleijado viajar em pé ao seu lado, a responsabilidade não será sua.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Recados a Mário Neto (nº 8)

Você já teve aumentos e promoções na carreira, mas ainda assim não se considera um homem de sucesso. Além de ver o tempo passar, sente que ele vai te engolir, que jamais conseguirá chegar lá. Isso acontece porque você só aprendeu a olhar para frente, Mário Neto. Sempre te ensinaram que deve ser assim, que olhar para trás gera comodismo, e você não pode se acomodar. A frente sempre há desafios a vencer, metas a bater, recordes a quebrar. Mas dessa forma você vive sempre na falta. O prazer pela meta batida se torna efêmero pois você já vislumbra a nova meta adiante. A promoção o coloca em outro círculo, e nesse novo círculo sua renda já começa lhe soar escassa uma vez que há tanta gente ganhando tanto mais. O sucesso, o prazer, a felicidade são sempre empurrados para além do próximo desafio. Esse é um jeito de levar a vida Mário Neto, mas é um jeito angustiante. Da mesma forma que o é olhar para trás, onde além da falta há a sensação de perda. Procure olhar ao redor. Perceba a situação como um todo e talvez você verá que o ambiente que lhe obriga a mover-se com tanta velocidade é na verdade uma engrenagem acelerando no vácuo e se reproduzindo ao infinito. Um ritmo alucinante e sem fim, onde os valores se tornam transparentes com a dispersão. A felicidade é uma mera miragem e você é como o rato que inutilmente caminha na roda para alcançar o queijo que embora parecendo sempre perto lhe é inacessível. Esse recado que mais parece um fragmento amarrotado de Baudrillard é apenas para lhe pedir que tenha calma, que trilhe seu caminho no seu próprio tempo e aprecie a paisagem, pois o trajeto importa muito mais do que o destino.

sábado, 11 de agosto de 2012

Recados a Mário Neto (nº 7)

Mário Neto, eu entendo o porquê de você estar apreensivo com a possibilidade do facebook ficar fora do ar por 24 horas. Se isso de fato vier a acontecer, você terá de passar um dia inteiro se relacionando somente com as pessoas que convivem com você atomicamente, ou seja, somente relacionamentos limitados, frágeis e irreais. O jeito é baixar alguns aplicativos interessantes, para pode evitar ao máximo ter de olhar ao redor.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Recados a Mário Neto (nº 6)

Mário Neto, você precisa focar sua atenção e sua energia para trilhar o seu próprio caminho com alegria e felicidade. Tantas vezes você responsabiliza os outros por sua frustração, angústia, mau humor, stress etc, mas seu terapeuta está certo quando diz que você não pode obrigar as outras pessoas a pensarem como você. Um exemplo: Sua conduta na empresa onde trabalha é exemplar. Você segue todos os procedimentos à risca. E mais do que isso, você acabou se tornando um fiscal voluntário desses procedimentos. Porque sua atenção não está só nos seus afazeres e prazos, mas também e talvez até com maior intensidade nos afazeres e nos prazos das pessoas ao redor. E se há algum descumprimento ou omissão em um detalhe de qualquer norma você fica pessoalmente indignado, questiona e, quando necessário, encaminha sua observação aos superiores. De modo geral essa sua conduta pode ser entendida como comprometimento e proatividade, um perfil de liderança digno de uma promoção. Mas se eu estou usando esse exemplo, Mário Neto, é porque no seu caso a situação é diferente. E o ponto é que você odeia as normas da sua empresa. Acha que elas são injustas, abusivas, opressivas. Critica essas regras sempre que possível (e possível quer dizer quando não há nenhum supervisor por perto). Perdão pela franqueza, meu amigo, mas o que te leva à indignação quando um colega pratica alguma ação fora do script é simplesmente a inveja. Você não suporta ver alguém quebrar um protocolo porque isso escancara o fato dessa quebra ser possível, e também mostra que sua conduta é van e indicativa de fraqueza ao invés de mérito. E antevendo sua réplica já esclareço que não, Mário Neto, o que estou dizendo nada tem a ver com subversão ou anarquia. Tem a ver apenas com você! Volto ao começo desse recado (que dessa vez mais parece uma carta) e lhe digo que você precisa focar sua atenção em você, nos seus valores. Quero que você tenha uma conduta exemplar em um ambiente que esteja de acordo com o que você acredita. Nesse momento você deve estar na defensiva, dizendo que não te compreendo, mas acredito que em breve você perceberá que só quero te ver feliz. A felicidade é um exercício, e a alegria é um fluxo que brota de dentro para fora.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Chave

Precisa encontrar a chave. Procura pelo chão úmido, mas a escuridão é total. Qual será o tamanho dela? É possível deduzir pelo formato da fechadura – pensa – e começa a tatear as paredes. Elas também estão úmidas. O ar é quente e pesado e fica cada vez mais difícil respirar. Desliza seus dedos pelo cimento rústico com uma força exagerada e após algum tempo sente que estão esfolados. Sangram? Não consegue ver. Tenta leva-los à boca para provar o gosto característico do sangue que sempre lhe pareceu um pouco metálico, mas por alguma razão suas mãos não obedecem a seu comando. Será uma isquemia? É por isso que o trancaram ali, porque está doente? Começa então a testar seus movimentos. Todos os seus dedos parecem funcionar bem. Ele dilata as pupilas para tentar enxergar os próprios membros em meio à penumbra, mas seus olhos ainda não estão acostumados o suficiente. Decide que é necessário tentar erguer-se. Com o corpo todo tensionado faz um esforço que lhe parece sobrenatural e sente queimar todas as suas articulações. Finalmente consegue firmar-se sobre os pés. Com as mãos espalmadas a frente ensaia o primeiro passo. Tudo bem – diz a si mesmo – eu consigo andar, agora preciso encontrar a chave para sair daqui. Mas qual será o seu tamanho? Lembra-se novamente de procurar pela porta para tatear a fechadura. Dá mais um passo e permanece em silêncio, ouvindo apenas a sua respiração que se torna cada vez mais ofegante. Outro passo... mais um...e sua perna se choca com algum objeto. Não é um móvel. A consistência é diferente, como se fosse... um corpo? Durante algum tempo fica imóvel, a respiração ainda mais curta, indeciso sobre se curvar ou não sobre ele. Seria mesmo um corpo? E se a chave estivesse com ele, em suas mãos ou em suas vestes? Teria de remexer tudo? Sente náuseas, acha que vai desmaiar, mas nesse instante seus olhos conseguem distinguir uma pálida fresta de luz a apenas alguns passos: - A porta! Pela primeira vez fala em voz alta e o som lhe provoca um sobressalto. Cambaleia em direção à réstia de luz e busca a fechadura. Antes de encontrá-la, porém, sua mão alcança a maçaneta, e num movimento mais automático do que esperançoso ele a gira. Para sua surpresa a porta solta um rangido e se abre.
Paralisado, ainda com a mão na maçaneta, teve uma crise de taquicardia. À sua frente estava o corredor parcamente iluminado pela luz que vinha da janela do cômodo seguinte. Ele então percebeu que o cômodo seguinte era uma sala, a sua sala, e que aquele corredor era o que o levava ao seu quarto. Automaticamente olhou para suas mãos procurando sangue, mas elas estavam intactas. Prestou atenção no seu corpo: nada anormal a não ser o coração disparado. Acendeu a luz e viu que o objeto contra o qual sua perna se chocara era a sua própria mochila.
Os pesadelos eram constantes, mas era a primeira vez que chegava ao sonambulismo. Talvez estivesse na hora de aumentar a dose novamente. Pelo menos dessa vez não vira a cena do enterro. Seus sonhos eram todos angustiantes, mas o do enterro era de longe o pior por ser mais que um sonho, uma memória.
Sentiu a garganta se contrair. Quanto tempo havia se passado? Não saberia dizer. Lembrava-se como se fosse ontem, como se estivesse sendo agora. Um soluço. Mas do que ele se lembrava exatamente? Se lhe perguntassem não saberia explicar. Tudo desde então tinha se tornado confuso e obscuro. Quando havia sido exatamente? O próprio tempo estava desregrado. Só percebia claramente a tristeza e o vazio que sentia! Lágrimas. Iria ao médico e pediria para aumentar a dose, impossível viver assim. Impossível mesmo agora. – Vou aumentar duas gotas e aviso o médico – pensava e chorava – desse jeito acabo louco. Foi ao banheiro e puxou a gaveta dos remédios: trancada.
Um grito, uma praga. Era assim que queriam lhe ajudar? Diziam ter medo que ele se afundasse, mas eram incapazes de ver que ele já estava no fundo. Aquelas gotas eram uma escada, não uma âncora. Porque faziam isso? Porque o obrigavam a se lembrar? Quantas vezes ele ainda teria de relembrar aquele dia? Ainda chorando sentou-se no chão do banheiro. As lembranças voltavam ainda mais velozes e marcantes, apesar de confusas. Encarava a gaveta. As lágrimas corriam e o peito parecia estar comprimido. Pôs-se a revirar tudo. – A chave... eu preciso da chave...
Acordou sobressaltado. Tudo em silêncio, apenas a respiração de sua mulher ao lado. Pela claridade que atravessava a persiana percebeu que já amanhecia. Mas que horas seriam? Consultou o telefone celular no criado mudo: 06h20 – sábado. Tentava se recordar do sonho, lembrava que estava sozinho no escuro... Ergueu-se devagar para não acordar a mulher e foi lavar o rosto...parece que precisava encontrar alguma coisa... Terminou de secar o rosto e as mãos, colocou a toalha no suporte... que sensação estranha... Seus olhos se focaram na gaveta dos remédios. Maquinalmente ele puxou a gaveta: esparadrapo, antisséptico, antigripal. Como num flash ele se lembrou da cena do enterro, uma cena recorrente no próprio sonho, o sonho de um sonho. Sentiu um princípio de embrulho no estômago e correu para o quarto do filho. Espiou pela porta entreaberta e o ouviu ressonar. Tudo em paz – pensou. Foi até a sala e sentou-se no sofá com as mãos no rosto. Chorava. Tentava conter o choro o mais que podia para evitar acordar a família. A essa altura se lembrava do sonho inteiro e se sentia culpado. Ele possuía uma família, esposa e filho saudáveis que o amavam, como ele podia ter sonhos tão doentios como esse, como podia ter pensamentos tão envenenados. Acabaria por esses descontroles estragando o seu próprio lar. Ele possuía uma vida feliz e perfeita, e a manhã certamente estava linda. Era isso o que ele precisava, sentir essa manhã...vestiu uma roupa casual...certamente era uma manhã linda, e ele era feliz...pousou a mão na maçaneta...a manhã era linda demais...a porta estaria aberta?...ele possuía uma vida feliz demais...ou trancada?...perfeita demais...a chave... Paralisado, ainda com a mão na maçaneta, teve uma crise de taquicardia.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012