sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ficção

uma de minhas poesias favoritas.


Tudo começou com o big-bang, que foi um bang bem grande / Do nada, o nada explode, vira massa, e o universo se expande / Isso é uma complicação: condensação, rotação, translação... / Nasceu Adão/ Mas já nasceu com depressão/ Foi preciso que seu pai lhe arrancasse uma costela / E dela fizesse a donzela pra alegrar seu coração / Ele não se fez de rogado quando se sentiu amado / Cometeu até pecado / Parecia um dinossauro / Um triceratopterodatiranorex Sapiens / Mas depois de muitos anos os climas se alteraram / Os vulcões se acalmaram / As terras se separaram / E a filharada que vivia espalhada não soube voltar pra casa / Então fincaram raízes / Aprenderam, ensinaram, procriaram, povoaram aquelas terras que chamavam de países / Tinham até hinos nacionais / Mas essa espécie, mesmo tão inteligente, se esqueceu que o importante dessa vida é amar / Se preocupavam tanto em fazer o fogo / lascar pedra, fazer roda e telefone celular / Já não sabiam mais se vinham dos macacos, dinossauro, Adão e Eva, da poeira ou do mar / Assim eles perderam a identidade, desistiram da verdade e começaram a inventar / Inventaram a escrita / O sistema decimal / Inventaram a Política / O tal do capital / Inventaram a mentira / Inventaram até verdade / inventaram a hierarquia / A chamada sociedade / Inventaram o teatro / Música dodecafônica / Inventaram a guerra / E também a bomba atômica / Aí o passo desandou / O barranco deslizou / Todo caldo entornou / Atlântida afundou / O paraíso acabou / Caim matou Abel / Houve a Torre de Babel / Um foguete foi pro céu / Nero fez um fogaréu / O Homem ficou pinéu / Querendo conquistar / Por isso Roma, Napoleão Bonaparte / Idade Média, o cinquecento / Sun Tzu, Maquiavel / Czar Stalin, que se fazia vermelho, mas matou muitos parceiros para poder se firmar / Aquele austríaco de Áries e bigode, que se matou de remorso por ter matado um judeu / E os europeus / Que de barco destruíram, dizimaram e descobriram o que eles já conheciam / Inclusive um tal Brasil / Que na época não tinha esse nome, mas já tinha muito homem vivendo na Mãe Gentil / E esse gentio viu sua mãe ser estuprada / Bem como suas esposas, durante a invasão / Viu sua história, seus costumes, suas crenças, se perderem em meio ao sangue / E as árvores no chão / Ainda hoje alguns deles são queimados por jovens aristocratas do distrito federal / É uma forma dos futuros governantes, representantes de toda a população nacional / Se lembrarem dos famosos Jesuítas e também dos bandeirantes que fizeram quase igual / Catequizaram, exploraram, aprisionaram, obrigaram aquele povo a aceitar um tal de Deus / Que não gostava de quem era antropófago, nudista, preguiçoso, bronzeado ou fariseu / Mas sucedeu que o povo não acreditou nem tampouco se entregou, preferiram até morrer / E eles morreram / Mas depois os “Cara Pálida” que odiavam trabalho não souberam o que fazer / Resolveram então aderir à moda / Pega preto, encaixota, põe num navio pra trazer / - “Vê se sossega, porque preto é bicho manso / Pode até morrer de banzo, mas não vai te aborrecer” / Então dessa mistura harmoniosa, a gloriosa identidade brasileira foi nascer / A identidade que se orgulha do tal samba / Da feijoada e da cachaça / Coisa boa pra inglês ver / Dança, e canta, olha a bunda da mulata / Sem saber que a coitada não tem nem o que comer / E também não sabe ler / Mas mesmo assim, subnutrida, analfabeta, a mulata se balança no meio da multidão / E a multidão, quando lê “ordem e progresso”, em meio ao verde amarelo, se lembra da seleção / De quatro em quatro anos tem Copa do Mundo / Mundo que está no universo / Universo em expansão.

Um comentário:

  1. Eita vc arrazou!
    adorei a parte: Mas depois os “Cara Pálida” que odiavam trabalho não souberam o que fazer Resolveram então aderir à moda Pega preto, encaixota, põe num navio pra trazer “Vê se sossega, porque preto é bicho manso Pode até morrer de banzo, mas não vai te aborrecer”!
    Parabéns pelo trabalho! aliás, belissimo trabalho!

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